Segunda, 15 Mai 2017 11:34

    O pulo do sapo

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    O pulo do sapo Fernando Quintella

    De família humilde, Laudi Mendes de Almeida encontrou nos esportes o caminho para enfrentar dificuldades (Por Fernando Quintella)

    “Não confundir. Laudi”. A pequena placa fixada no canteiro central da Avenida Ene Garcez indicava candidatura à Câmara de Boa Vista, na eleição de 1982. Em vez da foto do candidato, estava o desenho de um rosto parecidíssimo com o então governador do Território Federal, brigadeiro Ottomar Pinto. Eram adversários políticos. O advogado da União aposentado Laudi Mendes de Almeida é assim: perde o amigo – ou inimigo -, mas não perde a piada.

    Aos 67 anos, fundador da Seccional de Roraima da Ordem dos Advogados do Brasil (registro número 3), venceu na vida contra todas as expectativas para quem, como ele, teve infância difícil. Aproveitou as oportunidades: estava no lugar certo na hora certa. Formou-se técnico agrícola em Brasília, advogado e professor de educação física em Goiás. Foi um dos melhores atletas de seu tempo, vereador em dois municípios roraimenses, entrou com processo pela cassação de um prefeito da capital, enfim, vida agitada. O resultado daquela eleição de 82? Foi o segundo suplente pelo MDB. Oposição, sempre. 

    Nascido no interior, Laudi, pai de três filhos e avô de cinco netos, ficou órfão de pai aos 11 anos. A mãe, lavadeira, precisou da ajuda dos filhos para sustentar a família. Ele entregava as roupas aos clientes e ainda vendia bolos no Porto de Cimento. Estudou no Colégio Normal Regional. “Quem tinha dinheiro ia para o GEC (Ginásio Euclides da Cunha); os duros cursavam a Escola Normal”, recorda.

    Sua vida começou a mudar em 1965, quando passou em concurso para o Colégio Agrícola de Brasília, em regime de internato, onde recebeu o apelido de Sapo. Levou três dias de avião da FAB até chegar ao destino. “Dormíamos onde dava, pois faltava dinheiro”, conta ele. Foram três anos sem vir a Roraima.

    Terminado o curso, seguiu um colega até Goiânia. “Foi a melhor decisão”, lembra. Morava de favor no quarto do amigo Thompson, agora aluno de cursinho pré-vestibular. Filava até as apostilas. Contra todas as probabilidades (“só ensinavam idiomas no GEC”), Laudi passou no vestibular para Direito, na Universidade Federal. Era a virada a caminho. 

     

    Laudi com a tocha na abertura dos Jogos Universitários de Goiás (Foto: arquivo pessoal)

     

    O esporte faz a diferença

    A vida esportiva de Laudi começou ainda em Roraima, no Baré. Rápido, enfrentava defesas duras, principalmente do eterno rival Roraima. Tinha o apelido de “Pílula da Vida” – devido ao anúncio do remédio, cujo slogan era “pequenina, mas resolve”. Foi tetracampeão de futebol com craques como Augusto Monteiro (“jogava demais”) e Roberto Silva.  

    Com o time do Baré, o "Pílula da Vida", Laudi Mendes de Almeida, assinalado com o círculo (Foto: arquivo pessoal)

    Em Brasília, Laudi começou a praticar atletismo. Competia pelo colégio. Ganhou a Corrida de Rua de Planaltina, competição importante. A carreira de atleta de meio fundo, fundo e maratonas decolou na Faculdade de Direito. No primeiro ano, além de envolver-se no Diretório Acadêmico – do qual foi presidente -, venceu as provas de  que participou.

    Laudi Mendes de Almeidacruza a linha de chegada de 10 mil metros (Foto: arquivo pessoal) 

    No ano seguinte, entrou na Escola Superior de Educação Física de Goiás. “Eles me procuraram. Achavam desmoralizante perder para outro curso”, diverte-se. Foram mais quatro anos de vitórias. Logo no primeiro ano já dava aulas em colégios. Carregou a tocha olímpica em Jogos universitários; venceu fora e dentro do estado.

    O roraimense recebe a medalha de primeiro colocado na prova de fundo na Universidade de São Paulo (USP) - (Foto:arquivo pessoal)

    Volta a Roraima

    Laudi decidiu retornar ao estado quando a saúde da mãe exigiu. Começou a advogar. Depois, assumiu como procurador da extinta Legião Brasileira de Assistência. Anos mais tarde, voltou ao escritório, embalado pela fundação da Seccional da OAB.

    Em 1985 retornou ao serviço público, como assistente jurídico, depois advogado da União.

    Ainda em 1982, filiado ao MDB (hoje PMDB), candidatou-se à Câmara de Boa Vista. Suplente, assumiu a vereança em 1985, quando Amazonas Brasil foi nomeado diretor na Codesaima. Quatro anos depois, em 1986, entrou com pedido de cassação do mandato do prefeito Sílvio Leite, por irregularidades na administração municipal. Em 1996, Laudi elegeu-se vereador em Alto Alegre, onde encerrou a carreira parlamentar.

     O olhar do campeão Laudi Mendes de Almeida (Foto: arquivo pessoal)

    Tempos de dureza

    Somente quando começou a dar aulas, a situação financeira de Laudi melhorou. Antes, ele se virava como podia. “Na viagem para Brasília, em avião da FAB, paramos em vários lugares. Sem dinheiro, entrávamos em hotéis pequenos e dávamos um jeito de sair sem pagar”, conta, constrangido.

    Filar comida, então, era desafio. O objetivo era habilitar-se profissionalmente. Grana curta, descobria onde havia boia fácil. Ele e um amigo começaram a frequentar uma igreja todo domingo. Depois de certo tempo, os fiéis descobriram o objetivo daqueles jovens compenetrados e acabaram com o lanche grátis.

    A melhor história aconteceu no amigo secreto do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito. Como sempre, sem dinheiro, deu de presente ao colega Laerte, advogado da União em Brasília, uma rapadura. Quando Laerte abriu o embrulho bonito, Laudi justificou: “Foi o que deu para comprar”. Os colegas riram, sentiram o problema e decidiram nunca mais deixá-lo sem comprar o presente de final de ano, mesmo em tempos mais abonados. “Até hoje, quando encontro com eles, lá vem o papo da rapadura”.         

     

     

     

    Lido 2109 vezes Última modificação em Segunda, 15 Mai 2017 12:10
    Aroldo Pinheiro

    Aroldo Pinheiro,  roraimense, comerciante, jornalista formado pela Universidade Federal de Roraima. Três livros publicados: "30 CONTOS DIVERSOS - Causos de nossa gente" (2003), "A MOSCA - Romance de vida e de morte" (2004) e "20 CONTOS INVERSOS E DOIS DEDOS DE PROSA - Causos de nossa gente".

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