Saiba mais: Levischi conta tudo http://www.jornalroraimaagora.com.br/noticias/gafanhotagem-levischi-conta-tudo?fb_ref=Default
Saiba mais: Salve-se quem puder http://www.jornalroraimaagora.com.br/noticias/gafanhotagem-ii-salve-se-quem-puder
Carlos Levischi, que já foi um dos homens mais prestigiados durante o segundo mandato do governador Neudo Campos, mostra-se resignado com a penúria em que vive. “Os que usufruíram – e usufruem – do dinheiro desviado resolveram jogar toda a culpa em mim. Eles podem contratar bons advogados e eu, sem dinheiro, valho-me de defensor público”, declara.
Hoje, Carlos ocupa imóvel simples – aluguel de R$ 250 – em conjunto habitacional da periferia de Boa Vista. “O amigo de um amigo cedeu-me o lugar. Comparando com o que passei nos primeiros anos deste século, posso me considerar privilegiado”, diz.
Em seguida, o entrevistado responde a quem diz que ele tem dinheiro entocado: “Olha, eu já fiquei dois meses com energia cortada, me valendo de extensão puxada de vizinho para ligar ventilador; uma pessoa que tem dinheiro passaria por isso?”
Um surrado Ford KA, ano 2000, serve para Levischi locomover-se. Explica: “Há mandado de penhora contra o veículo, com autorização da Justiça, sou o fiel depositário”.
O homem que operou milhões em nome da corrupção afirma não ter se aproveitado da dinheirama. “Nem podia. O dinheiro liberado para o DER já vinha carimbado: o governador determinava quanto e a quem seriam feitos os pagamentos; eu só repassava”, diz.
“Antes de o esquema começar, eu pensei que cada um dos beneficiados fosse indicar pessoas para, de fato, prestar serviços, ficando à disposição da autoridade. Quando entendi o mecanismo, alertei o governador sobre a ilegalidade e ele simplesmente disse que ‘é assim que as coisas funcionam’”, afirma Levischi.
“Se fizerem alguma coisa contra mim, pode ficar pior para o mandante." (Carlos Levisch) - (Foto: Aroldo Pinheiro)
Kardecismo e resignação
Hoje, com muito tempo disponível para leitura, Levischi se dedica ao espiritismo e usa a filosofia de Alan Kardec para justificar-se: “Deus dá o livre arbítrio e nós temos obrigação de saber que atitudes erradas levam a penas compatíveis. Eu sabia que estava agindo incorretamente, mas, estar perto do poder e usufruir o que essa proximidade me proporcionava, tornou-me cego”, diz resignado.
Com a primeira esposa Levischi teve três filhos, que não lhe dirigem palavra há oito anos. “O escândalo tornou-se assunto nacional e eles passaram a sofrer bullying em lugares aonde iam. Só tive oportunidade de conhecer um de meus quatro netos”, lamenta.
A segunda mulher o deixou tão logo o poder e os dias de glória se acabaram. Hoje, ela vive longe de Boa Vista e eles têm pouco contato. Fala mais com a enteada, Luíza, que sempre o considerou como pai.
Sobrevivendo de pequenos projetos (que, por sorte, ainda surgem de vez em quando), o engenheiro comemora a liberação de aposentadoria pelo INSS a partir deste mês. Ironiza: “É pouco, mas, para essa grana, uso a contabilidade de meu avô: ‘Se somarmos R$ 2.100 que eu não contava com R$ 2.100 que eu não tinha, dá R$ 4.200’”.
O primeiro mês já está comprometido: “Tenho que retirar umas contas de água, luz e telefone da porta da geladeira e resolver problemas mecânicos antes que o motor do carro estoure. Se sobrar algum, vou comer uma boa lazanha”, diz sorrindo.
O homem da mala precisa ir ao dentista, mas, sem grana “pra esses luxos”, vai enganando molares e incisivos com alimentos não muito sólidos.
Dividido entre depoimentos e a espera
Sem perder o bom humor, Levischi leva a vida entre pequenos bicos e a esperança de que essa história chegue a seu fim
Hoje, Carlos Eduardo Levischi vive rotina muito simples. Comparecer à Justiça Federal para depoimentos nos muitos processos que por lá tramitam faz parte do dia a dia. “Vou ao fórum com tanta frequência que estou até pensando em pleitear emprego por lá”, brinca.
A gafanhotagem lhe traz dissabores; analisa: “Sou mal visto por todos. Os envolvidos me odeiam por causa da delação; os outros me veem como traidor”.
Amigos? Levischi diz que pode contá-los na mão esquerda de Lula, “e ainda sobram dedos”. Enfatiza: “Mas os que ficaram são amigos mesmo”.
Levischi diz não ter medo de sair de casa nem se preocupa em sentar-se de costas para paredes nos poucos lugares a que vai; dispara: “Se fizerem alguma coisa contra mim, pode ficar pior para o mandante”.
Sobre continuar vivendo em Boa Vista, ele diz: “Agora, minhas raízes estão aqui. Ver meu nome em obras como a ponte sobre o rio Branco, em Caracaraí, me traz felicidade. Processos tramitando exigem que eu esteja aqui. E, apesar dos pesares, gosto de Roraima”.
Planos? Carlos Eduardo Levischi diz viver cada dia sem pressa. Conformado, ele espera a conclusão dessa história para reorganizar-se e tocar sua vida como pessoa normal, “isso se não demorar demais, pois já estou na contagem regressiva para o andar de cima”.
Depois de algum tempo foragido, o ex-governador apresentou-se à Justiça para cumprimento de pena (Foto: Reprodução Facebook)
Onde estão os criadores de gafanhotos
Políticos, conselheiros do Tribunal de Contas do Estado e servidores públicos tiveram participação ativa no maior esquema de corrupção já descoberto em terras de Makunaima. Alguns estão condenados e cumprem penas como albergados, outros, com penas alternativas, prestam serviços à sociedade, outros respondem a processos em primeira instância e há os que recorrem em tribunais superiores.
O ex-diretor do DER e uma ex-secretária de Administração fizeram acordo de delação e vêm contribuindo com a Justiça.
Expulso do Partido dos Trabalhadores (PT) por suspeita de envolvimento no “Escândalo dos Gafanhotos”, acusado de utilização da máquina administrativa e compra de votos, Flamarion Portela teve seu mandato de governador cassado em 2004. Quatro anos depois foi condenado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) a pagar, com o ex-diretor do DER, R$ 19 milhões que teriam sido desviados de obras na BR-401. Neudo Campos está condenado a mais de 10 anos de reclusão em um dos mais de 40 processos a que responde. Com autorização da Justiça, o ex-governador passa os dias em quarto de hospital particular enquanto seus advogados lutam para que a pena dele seja cumprida em domicílio.
Neudo Campos na carceragem da Polícia Federal (Foto: Reprodução Facebook)
Contraditório
O Roraima Agora procurou Neudo Campos para pronunciar-se sobre o tema desta série de reportagens; via WhatsApp, a secretária do ex-governador, Ananete Gomez, informou que ele não estava em condições de conversar com a reportagem.
Via WhatsApp, o Roraima Agora contatou o ex-governador Flamarion Portela dando-lhe chance de falar sobre o assunto, mas, até o fechamento desta edição, não havia recebido resposta .
O juiz federal Helder Girão Barreto, que conduz alguns processos desse esquema de corrupção disse estar impedido, por lei, de falar sobre o assunto.