Ex-diretor geral do Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de Roraima (extinto DER), que por sua competência conquistou a confiança do então governador Neudo Campos, Carlos Levischi operacionalizou parte do malfadado “esquema dos gafanhotos” - desvio de, pelo menos, R$ 200 milhões de cofres públicos
O homem de porte mediano, com barba e cabelos grisalhos, não aparenta a idade que tem nem deixa transparecer o inferno que vem vivendo nos últimos 13 anos. Investigado, indiciado ou réu em mais de oitenta processos, o engenheiro paulista consegue fazer troça sobre si mesmo e sobre as dezenas de pessoas que se envolveram na gafanhotagem promovida por Neudo Campos como governador de Roraima.
Nascido no Ipiranga, bairro paulistano de classe média e criado em São Bernardo do Campo, Levischi, hoje com 67 anos, frequentou bons colégios e não conheceu dificuldades financeiras até quando seu pai, ex-executivo da Volkswagen do Brasil, ex-dono de concessionária de veículos, perdeu tudo e ele, acadêmico de engenharia civil, teve que se virar para pagar seu curso na Universidade MacKenzie – uma das melhores e mais caras do Brasil.
Graduado em 1973, depois de trabalhar em São Paulo e Curitiba, Carlos foi designado pela Constran para o sul do Maranhão, onde tocaria serviços na Transamazônica. O engenheiro se orgulha de ter rasgado matas e construído mais de 40 pontes no trecho que vai da cidade de Estreito, passando por Carolina e Balsas, até a divisa do estado maranhense com o Piaui.
Depois, trabalhou em Tocantins, no surgimento de Palmas, a capital do novo estado.
A morte dos pais, em 1995, levou dele o desejo de voltar para sua terra natal. Convidado por um amigo, veio para Roraima onde trabalhou com empresários locais calculando e executando serviços de drenagem na preparação para o asfaltamento da BR-174.
No primeiro governo de Neudo Campos, em 1997, o então diretor geral do DER convidou Carlos Levischi para dirigir o Planejamento da autarquia e, no final daquele ano, ao decidir sair do serviço público, indicou o colega paulista para assumir seu lugar na instituição. O governador aceitou a indicação. Levischi diz que “nesse tempo, o DER era instituição eminentemente técnica , que proporcionava trabalho a muitas pessoas, tanto direta como indiretamente, mantendo a malha viária do Estado operável e em condições de escoamento da produção dos agricultores”.
Durante entrevista exclusiva, Levischi pede que a reportagem omita nomes citados por ele: “Eu não preciso arranjar mais problemas nem pra mim nem pra ninguém”, justifica (Foto: Reprodução Facebook Boa Vista Agora)
Comedores de folha de pagamento
Levischi conta que, no início do segundo mandato, o relacionamento da Assembleia Legislativa com Neudo não atravessava boa fase. Para ter apoio parlamentar irrestrito, depois de reunião com alguns parlamentares, o governador chamou Carlos e determinou: “Os deputados vão apresentar listas de pessoas para serem contratadas; quero que o DER os contrate”.
Sistema parecido já estava implantado na Secretaria de Administração. Levischi diz que, fez o máximo para, no cumprimento da ordem, manter-se o mais perto possível da legalidade, com recolhimentos previdenciários, trabalhistas e de imposto de renda em dia. “Se essas pessoas iam trabalhar ou não, não era problema meu. Eu obedecia o chefe maior”, justifica.
Dinheiro fácil, a coisa não ficou no âmbito da ALE e acabou chegando ao Tribunal de Contas do Estado .
Cada um dos indicados pelo governador mordia mensalmente entre R$ 22 mil e R$ 42 mil reais. Em conta rápida, o engenheiro mostra que R$ 200 milhões de reais foram surrupiados dos cofres do estado, somando DER e Administração, até o esquema ser desmantelado. Mas a coisa não parava aí.
NSAP e Procurações
Para receber o dinheiro legal no procedimento, mas ilegal e imoral na finalidade, os beneficiários tinham que apresentar seus “laranjas”. Alguns se utilizaram de parentes e pessoas próximas que, mediante parte do “salário” estipulado em contrato, cediam seus nomes e assinavam procurações outorgadas ao mensaleiro ou pessoa de sua confiança. “Mas muita gente só soube que estava sendo usada quando questionada pela Receita Federal ou pela Justiça. Pobres coitados que deixaram currículos e cópias de documentos em gabinetes com esperança de conseguir emprego acabaram servindo para locupletar quem devia defendê-los. Os autos apontam várias procurações forjadas e assinaturas falsificadas”, diz o ex-manda chuva do DER.
Em 24 de setembro de 2002, reportagem sobre o “Escândalo dos Gafanhotos” feita pela “Folha de São Paulo” questionou a aceitação de procurações fajutas com CPFs cancelados ou inexistentes pela NSAP (Norte Serviços de Arrecadação e Pagamentos Ltda) - empresa criada por Oscar Maggi para efetuar pagamento do funcionalismo e arrecadar tributos estaduais. Ao jornal paulista, o proprietário da prestadora de serviços respondeu que “sua empresa não era banco e que ele não tinha como checar cadastros”.
Criada para funcionar como tesouraria terceirizada do governo do Estado, suspeita-se que o então secretário estadual de Fazenda, por debaixo dos panos, fosse sócio da NSAP. Na época, era tanto dinheiro rolando com tanta facilidade entre os próximos ao governador que, empolgado, Maggi postou foto sua em rede social jogando dezenas de cédulas de R$ 50 para cima.
Para concorrer ao cargo de senador nas eleições de 2002, Neudo Campos teve que afastar-se do cargo; simultaneamente, Carlos Levischi pediu exoneração do DER. O vice, Flamarion Portela, assumiu o governo do Estado e, por meio dele, pernas, esporões e bocas famintas de gafanhotos começaram a aparecer e se multiplicar.
Mas isso é assunto para a próxima edição do Roraima Agora.