Território do Rio Branco, início da década de 1960. Em Mucajaí, incomodado com chifres ou com a suspeita de tê-los, agricultor, matou a mulher com golpes de enxada na cabeça. Naquele tempo, o crime mais violento ocorrido nesta Terra de Makunaima.
Sem fórum na cidade, o julgamento de Nilo dar-se-ia no salão da União Operária Beneficente. A cidade parou para assistir ao embate entre o promotor, Aristarte Leite, e Nozinho, advogado de defesa.
Na mesma hora em que os atores se posicionavam para o julgamento. Zeca Pato-rouco saía de casa com a missão de vender 12 ovos e, com o apurado, comprar carne para que sua mãe recheasse pastéis. Deliciosos, muito apreciados na pequena cidade.
Enquanto Pato-rouco batia de porta em porta oferecendo a produção da galinha pedrês, testemunhas era m ouvidas no quente salão, desprovido de qualquer sistema de refrigeração. O juiz, doutor Trindade, tinha sido acomodado de costas para a janela, de maneira que a brisa da manhã refrescasse o corpo abafado por paletó e toga.
Os nãos ouvidos por Zeca foram muitos. Na União Operária, o roteiro do julgamento de Nilo era seguido ao pé da letra. Doutor Aristarte, caminhando de um lado para outro, sobre a prótese de madeira que substituía membro inferior perdido em acidente, desancava o acusado, “monstro covarde que matou indefesa dona de casa”.
Quase duas da tarde. No momento em que o rábula Nozinho apresentava seus argumentos para os jurados, Zeca voltava pra casa com os doze ovos dentro do já amarfanhado saco de papel. Ao ver muitos carros – bem uns oito – estacionados na frente da União Operária, o menino resolveu encostar: “Quem sabe vendo os ovos por aqui?”
Público cansado, jurados sonolentos, o juiz pingava dentro das vestes. Doutro Aristarte, com o paletó de linho branco encharcado de suor, rebatia o advogado de Nilo: “Defesa da honra? Esse crápula não tem honra pra defender. O covarde tirou a vida da companheira sem dar-lhe de chance de explicar-se...”
Sem entender o que se passava no salão, Zeca Pato-rouco pendurou-se na janela, esticou o bracinho e cutucou a costa daquele estranho usando estranho e negro vestido godê. O meritíssimo voltou-se para ver de quem partia a insolência e sensibilizou-se quando ouviu a voz fraquinha do menino magrelo:
- Moço: o senhor não quer comprar uma dúzia de ovos? É só 20 cruzeiros...
Faminto, sonhando com o almoço, o juiz levantou-se, levantou a saia, meteu a mão no bolso, entregou ao garoto uma nota de vinte cruzeiros, colocou o saco com ovos em cima da mesa e voltou a atenção para a fala do promotor. “Daqui a pouco, vou me esbaldar em farofa com arroz e feijão”, pensou.
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