Ele se diz italiano, mas nunca mostrou documento que o comprove. Diz também que morou em Londres, mas até hoje não apresentou registro de sua passagem pela terra de Winston Churchill. Independentemente disso, o cara é gente boa.
Descontrolado com números e orçamento, ele está sempre no vermelho. Por misturar salário com bicos, nunca sabe quanto ganha. Nem quanto gasta.
Divorciado, assumiu mais uma despesa mensal: pensão alimentícia. Sabendo que falha nesse tipo de pagamentos é uma das poucas coisas que dá cadeia, ele prioriza depósitos nas contas da ex e da filha.
A coisa pegou. Muita farra, muita muiezada, contas começaram a se acumular. Em determinado momento, ele passou a sortear quem seriam os felizardos a receber atrasados.
Imposto Predial foi o primeiro compromisso a ser botado no escaninho de “pago se um dia puder”. Em seguida, o consórcio. Conta de telefone residencial também entrou no rol. Seguida por telefone celular.
Os ímãs da porta da geladeira já quase não suportavam o peso de tantos boletos quando ele decidiu atrasar contas de água e de luz.
Perdido, ele passou a se preocupar com o dia em que sua energia elétrica seria cortada, pois,na porta do refrigerador, três papelotes da Eletrobras e amontoavam à espera de pagamento.
Certa noite, ao apelar para a caderneta da pequena mercearia da vizinhança, conseguiu três latas de sardinhas, um quilo de farinha, seis ovos, meia dúzia de limões e o aviso: “Daqui pra frente, só com dinheiro, viu?”.
Em casa, ele destampou a meiota de caninha Pitu e embriagou-se pensando na vida.
Calor. Calor infernal. Ele acordou e viu que o condicionador de ar estava desligado. Acionou o interruptor de luz. Nada. Correu à geladeira em busca de água para tirar o gosto de cabo de guarda chuva que lhe vinha à boca e viu que o branco vazio dera lugar a uma penumbra sobre as poucas garrafas de H₂O que descansavam, suarentas, nas grades enferrujadas. Pensou: “Cortaram minha luz”.
Lá fora, um barulho ensurdecedor, diferente. Ao abrir a janela cuidadosamente, deu com fios elétricos espalhados na rua e um caminhão Munck retirando o poste de frente de sua casa.
Assustou-se. Conseguiu pensar: “Esse povo não tem consideração: com três meses de atraso, eles agora levam até o poste”.
Com calma, deu-se conta de que, em operação preventiva, os funcionários da companhia energética faziam manutenção de rede e colocavam postes de concreto no lugar de similares de madeira.
Aliviado, ligou para a ex-mulher, pediu-lhe dinheiro emprestado, pagou duas das contas de luz em atraso e voltou a tocar a vida como vinha tocando.
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