A escolha do caminho profissional, muitas vezes, deixa os jovens em dúvida sobre a melhor opção a seguir. O piauiense Francisco de Assis Campos Saraiva sempre teve habilidade nas áreas científica e das letras. Sem conflitos de consciência, preferiu investir em ambas ao longo de seus quase 80 anos de vida. Cronista desde os anos 1960, reúne, agora, parte das centenas de seus escritos no primeiro livro de sua autoria, intitulado Crônicas e Memórias de um Nordestino Roraimense.
Lançada em 2016, a obra aborda assuntos diversos; homenageia pessoas da família e da sociedade local, discorre sobre o Exército Brasileiro, resgata memórias passadas e recentes, protesta contra a violência cada vez maior nas sociedades, inclusive o assassinato de seu filho, Ricardo César, ocorrido no carnaval de 1995. Leitor assíduo da Bíblia Sagrada (leu cinco vezes a obra completa), Saraiva lembra como decidiu formar-se, na Universidade Federal da Paraíba, em Farmácia e Bioquímica e manter o canal aberto nas letras: “Deus mostrou o caminho”.
Nascido em Alto Longá, o menino Francisco Saraiva destacou-se como líder desde sempre. Era o orador das turmas em ocasiões especiais. Em 1955, entrou como soldado voluntário no Exército Brasileiro, sua casa pelos 30 anos seguintes. Na década de 1960, casou-se com a paraibana Maria das Neves Saraiva Madruga, hoje professora aposentada. Com Nevinha, iniciava a prole de sete filhos e dez netos. A virada na vida do casal veio em 1970, quando ele prestou concurso para oficial do Quadro de Saúde do Exército. Aprovado, terminou o curso em 1º lugar. Nessa condição, poderia escolher qualquer estado como destino. Para surpresa de todos, ele prefere vir para o então Território Federal de Roraima, no recém-instalado 6º Batalhão de Engenharia de Construção, onde permaneceu por 15 anos.
O livro também conta como, entre cargos diversos no quartel, Saraiva continuava a escrever suas crônicas. A construção da BR-174, ligação entre Manaus e Boa Vista, merece destaque. Enquanto as frentes de trabalho avançavam, ele providenciava o aprovisionamento de materiais necessários ao trabalho dos militares. Em paralelo, tocava o Laboratório de Análises Clínicas Lobo D’Almada, um dos pioneiros no setor, fundado por ele pouco depois de sua chegada a Roraima.
Hospitalidade roraimense
Se a diferença de realidade entre João Pessoa e Boa Vista era imensa, a boa acolhida dos roraimenses tornou tudo mais fácil. “Fomos muito bem recebidos desde o primeiro momento”, comenta no livro, além de falar sobre o radioamadorismo, alternativa eficaz e barata para as dificuldades de comunicação com a família e amigos em outros estados. O serviço facilitava a vida de comunidades como a nossa, inclusive com salvamento de vidas.
Em 1984, Saraiva passa para a reserva, no posto de major. Fora transferido para o Rio de Janeiro. Trocou a promoção a tenente-coronel pela permanência em Roraima. “Foi uma das decisões mais difíceis de minha vida. O coração falou mais alto. Afinal, sou Cidadão Boa-vistense”, explica.
Com o fim da vida militar, dedica-se mais ao laboratório, mantém a produção de crônicas, publicadas em jornais locais e até de outros estados, além de livros de coletâneas. Intensifica o trabalho em entidades profissionais, como Associação Comercial e Industrial de Roraima, Conselho Territorial de Trânsito. Mantém a participação no Rotary Club de Boa Vista, entidade prestadora de serviços a comunidade mundial.
Garimpo
Na segunda metade da década de 1980, a corrida ao ouro nos garimpos exige dos laboratórios atenção total. “Eram de 15 a 30 casos diários de exames só de garimpeiros, a maior parte para detectar malária e hepatite, de todos os tipos”, lembra Saraiva. “Metade dos exames dava positivo, inclusive malária tipo falsiparum, letal em boa parte dos casos. Vi muita gente morrer”, comenta.
Major Saraiva é uma figura. Seu papo envolvente está nas páginas do livro “Crônicas e memórias de um nordestino roraimense”, que, muito bem, há de servir para pesquisas sobre a história do mais setentrional estado brasileiro.