A missa das 19 horas transcorria normalmente quando forte barulho atraiu a atenção de todos. No chão do corredor central do templo, um corpo imenso tentava levantar-se com muita dificuldade. Várias pessoas procuravam ajudá-lo, em vão. Antes de prosseguir, voltemos no tempo e entendamos os fatos daquele domingo.
Sexta-feira recebo telefonema do Barão. Com o seu jeito inconfundível, ele dispara:
- Ei, cara! Queria a sua opinião sobre a manchete desta semana. Vamos homenagear Nossa Senhora Aparecida. Pensei em “Faz 300 anos a neguinha mais querida do Brasil”. O que você acha?
Respondi o óbvio:
- Como jornalista, acho a manchete coerente com a linha editorial irreverente do jornaleco. Preocupa-me a reação dos fiéis. Talvez não entendam a homenagem.
Ele rebate:
- Também pensei assim no início. Mas consultei dois devotos de carteirinha da santa. Eles adoraram. O Adílson, juiz do Trabalho em Manaus, escreverá texto sobre o assunto. É homenagem mesmo.
No sábado, recebi a prévia da primeira página do jornaleco. Lá estava a manchete, como o Barão comentara.
No domingo, Daysy e eu fomos à missa. No altar, a imagem de Nossa Senhora Aparecida em destaque. Padre Betinho e seu vozeirão de tenor motivava os fiéis com cânticos e textos bíblicos. Também negro, é muito popular na cidade pela simpatia e simplicidade. Tudo ia bem até eu tomar o tombo. Sim, aconteceu comigo. Na tentativa de levantar, ainda olhei para cima e vi a imagem da santa. Na hora, lembrei da manchete.
Depois de passar a madrugada no hospital, com trauma na coluna, consegui dormir quase sedado. Na segunda-feira, minha primeira providência foi telefonar para o Barão:
- Cara, vou processá-lo! A culpa é sua!
Expliquei o caso e ele ria, porque a matéria elogiava a santa (que, por sinal, ficou excelente). Eu o alertei sobre o perigo de ele sofrer algum revés. Afinal, se eu nem tinha sido o autor da manchete e já caíra, imagina o dono da ideia?
Faltei à missa do dia 12. Rezei em casa mesmo. O jornal estava nas ruas, era melhor me precaver.