Sob a paisagem da Gran Sabana, Leila e Juan Carlos namoraram, se casaram e tiveram dois filhos: Carlos Eduardo e Sarah Ohana. Foi também na terra de Hugo Chávez e Maduro, que o casal plantou o grande sonho: ser referência no ramo de lanches rápidos.
Eles chegaram lá. Difícil não achar um brasileiro que tenha ido a Santa Elena e não tenha se deliciado com os famosos pepitos – pequeno pão tipo caseiro, que ganha recheio de filé de carne ou frango cortado em tiras, queijo, presunto, tomate, alface e um molho, que leva salsa e alho, cujo tempero o casal não revela nem para a sombra.
Sonho construído há 16 anos, quando Juan era taxista e Leila, servidora pública em Pacaraima, município fronteira do Estado de Roraima. “Tinha vontade de ter uma lanchonete, mas não sabia nem fritar ovo”, conta Juan, rindo de si mesmo.
A chegada de Sarah, segunda produção do casal, ensinou Juan a fritar ovos. Muitos ovos. “Juntei dinheiro fazendo corrida de táxi e vendendo roupas. Comprei uma chapa [de sanduíche], freezer; no final, não tinha ‘plata’ nem pra comprar os refrigerantes” relembra. No primeiro dia, o público que foi à lanchonete, localizada ao lado de famosa boate em Santa Elena, conhecer o pepitos – nome faz referência a um salgadinho vendido na Venezuela, que tem formato de pedaços de carne – agradou-se com a nova opção de comida rápida. “O mais difícil foi conseguir agradar o paladar das pessoas. Passamos pelo menos uns cinco anos tentando acertar o tempero”, conta Juan Carlos Ruiz, hoje com 44 anos e carregado portunhol. O segredo da delícia que faz clientes lamber os beiços tem mãos certas, avisa: “Só Leila e eu fazemos”.
Mas o melhor sanduíche na linha da fronteira Brasil/Venezuela - campo aberto para expandir os negócios e, quem sabe, ser o prato principal de uma rede de franquias, viu-se, de uma hora para outra, ameaçado de ter o molho azedado. O sonho da família Ruiz e Almeida ruiu com a Venezuela Bolivariana de Hugo Chávez.
A crise que se instalou por lá, fez a família a tomar outros rumos, até então só pensado (e conversado) entre quatro paredes, por uma vontade unilateral: da esposa brasileira. “Eu queria voltar pro meu país. Não queria mais viver lá. Daqui, eu não quero mais sair”, revela Leila Almeida de Ruiz, 41 anos.
Do lado de cá da fronteira
“A situação da Venezuela obrigou a gente a vir para cá. Lá, não conseguíamos mais matéria prima para trabalhar. O público venezuelano já não comia na rua como antes; só o brasileiro permanecia”, relata Juan Carlos, olhando o horizonte da casa nova alugada em Boa Vista, capital de Roraima.
Em terras macuxi, estão desde outubro do ano passado. Por aqui, recomeçam a vida; ele, ainda saudosista de uma Revolução Bolivariana que não vingou e maltrata seu povo até o último suspiro; ela, aliviada por poder chegar em casa trazendo na bagagem o melhor que a Venezuela pôde lhe dar: os filhos e o marido.
Desde que chegaram, não pararam um minuto. É hora de correr atrás – não do prejuízo que tanto se erram nas frases de efeito – mas do lucro que garantirá a estabilidade – e permanência - em solo brasileiro.
“Tinha medo de começar tudo de novo, de não dar certo”, revela Juan. O medo deixou de existir desde que abriram o novo negócio, há quatro meses. O Mister Pepito, que carrega as bandeiras do Brasil e Venezuela, inaugura em Boa Vista o sabor antes só experimentado por quem atravessava a fronteira. “No primeiro dia, o movimento foi excelente. Dos 200 pães encomendados, restaram pouco menos que cem”, diz Juan, agora, cheio de otimismo. E acrescenta: “No Brasil ouvimos mais retorno das pessoas sobre o paladar do sanduíche. Queremos incrementar com o pepito picante”.
No cardápio, são oferecidos também enrolados de pão sírio, hambúrgueres, batatas fritas na hora e sucos naturais. “Quanto à carne, fazemos questão de só servir filé porque tem mais sabor”, garante Leila.
O investimento, de cerca de 8 mil dólares, está exposto aos olhos dos clientes: chapa de sanduíche, freezer, mesas, cadeiras, pratos e talheres novos, tudo dentro das normas da Vigilância Sanitária. O ponto comercial, em esquina movimentada das avenidas Santos Dumont e Júlio Bezerra, foi todo reformado pelos novos inquilinos.
O segredo está no jeito de servir
Quem vai ao lanche da família Ruiz e Almeida é surpreendido logo na entrada. Leila, roraimense de sangue nordestino, quando não está conversando com os clientes está sendo consultada por algum deles.
“Eu digo que ela é a nossa relações públicas”, brinca o marido. Leila aposta que o bom atendimento - e comida boa, claro, - é que faz o cliente voltar. A receita tem dado certo. O lugar tornou-se um dos lanches mais frequentados da cidade: um ambiente familiar, de aconchego aos recém chegados hermanos venezuelanos, que vieram para ficar.