O telefone toca. Era o porteiro do condomínio. Avisava sobre a troca de todos os postes antigos por outros, novinhos em folha. Nada de madeira antiga, com perigo de queda na primeira ventania. A modernidade exigiria cinco horas sem energia, à tarde. Como era dia de semana, a chance de haver novelas ou jogos de futebol no horário diminuía bastante.
Logo veio a primeira bronca. “Por que não usaram o WhatsApp do condomínio, com boa antecedência?”, protestou moradora. A resposta do síndico veio rápida, pelo zap: “A empresa já marcou antes e faltou. Queríamos ter certeza da realização do serviço na data prometida”.
Em seguida, a pessoa envia outra mensagem: “Vão tirar o poste onde mora o tucano? Como ficam os filhotes?” Aí a coisa era mais complicada. Se trocariam os postes de madeira, mexeriam no ninho do tucano, também morador, mas sem a obrigação de pagar condomínio, energia, água, IPTU... A ave de bico grande escolheu o topo daquele poste há muitos anos. Nem deve ser o primeiro, pois vários filhotes já nasceram ali. Os advogados defenderiam o direito à propriedade, por usucapião.
Agregada ao despejo, vinha a questão ambiental. Mexer com flora e fauna de maneira indevida causa processo judicial, com risco de prisão inafiançável. Depois, como desalojar a ave sem dar alternativa de mudança? Tremenda covardia. Os condôminos têm direito a notificação judicial, defesa em várias instâncias. E o tucano?
Antes de o caso tomar corpo, o síndico fechou a questão. “O poste do tucano será preservado. Já comunicamos ao pessoal do meio ambiente. Eles examinarão o caso e darão a solução ideal”. Assim, a ave continuará a bicar as janelas dos condôminos, onde vê sua imagem refletida, e a fazer suas necessidades fisiológicas no teto dos carros dos vizinhos, estes, sem alardear, na torcida pelo despejo do tucano e família...