Quem assiste às corridas de rua, tão na moda nos dias de hoje, nem imagina o tamanho do alcance do esporte. A prática vai muito além do esforço físico. Mesmo as corridas mais simples envolvem logística razoável, abrem espaço para novas amizades, desestressam os praticantes, sem falar nos efeitos econômicos produzidos a cada atividade. Talvez o maior benefício seja a recuperação de pessoas antes sedentárias, até depressivas, em muitos casos dependentes de remédios. Mais ainda: promove a inclusão de pessoas com deficiência (PcD), participantes ativas das provas. Este jornaleco entrevistou o presidente do Clube de Corridas Jabuti do Lavrado, jornalista Ricardo de Souza Rodrigues. O papo rendeu boa radiografia do setor.
O nome do clube, de cara, chama a atenção. Segundo o dirigente, a ideia do grupo foi unir a fauna e a flora. “O jabuti é lento, mas tem resistência de sobra”, conta Ricardo. A flora refere-se ao lavrado, característico de Roraima, onde algumas corridas se encerraram.
Antes de chegar à estrutura atual, muita estrada foi percorrida. “Começamos a correr em grupo de quatro amigos, em 2016”, prossegue Ricardo. “Usávamos a praça como palco da corrida. Ali percebemos vários outros grupos fazendo a mesma coisa. Unir os esforços foi o passo seguinte”.
Dava-se início à fase dos treinões. Utilizando carro de som à frente dos corredores, chamavam a atenção por onde passavam. As pessoas percebiam a presença de gente de todas as idades no grupo, cada um no seu ritmo. A prática terminava nos banhos da cidade. “A corrida importa. O antes e o depois importa tanto ou mais. É a hora do papo descontraído, da interação entre as pessoas, das novas amizades. É envolvente e agradável. Desestressa”, explica o dirigente.
O clube mantém atividades fixas no ano, como arraiais, corrida de aniversário, confraternização de fim de ano. Há distribuição de prêmios para cada categoria. Agora, iniciaram projeto no município de Iracema, com grande adesão dos moradores locais. “A ideia é espalhar a prática da corrida pelo Estado”, informa Ricardo. “Além de contribuir para tornar a vida do povo mais saudável, ajuda para que as ruas da cidade sejam mantidas em boas condições, da estrutura médica, enfim, envolve a prefeitura na melhoria ou conservação da cidade”, esclarece.
Campanhas mundiais também estão no foco do clube. A recente parceria com o Rotary, em apoio ao combate à Poliomielite, renderá boa soma de recursos ao esforço pela erradicação da doença. A camiseta dos atletas principais traz QR Code estampado para a doação de valores à campanha.
Economia em movimento - Mesmo as corridas mais simples exigem estruturas de apoio. Sem aquecimento da musculatura, o atleta pode sofrer lesão séria. Hidratação é outra necessidade básica. Os equipamentos devem ser adequados: tênis apropriados, Fim camiseta leve, boné em dias de sol. Além da orientação capacitada, tudo isso tem custo. Se a corrida é maior, exige segurança na via pública do trajeto de corrida. "Nosso clube conta com dois mil filiados e não tem mensalidade”, explica o presidente. “Vivemos de parcerias, contribuições voluntárias de participantes ou doações de bens ou serviços por empresas ou profissionais liberais”, prossegue.
As premiações nas corridas e outras atividades são garantidas pelas parcerias. Há o apoio aos atletas com menor capacidade financeira, como doação de tênis, camisetas, pagamento de inscrições em corridas. Com o modelo bem ajustado, o clube consegue manter suas atividades com sucesso.
Saúde - Ricardo Souza avalia como grande conquista de sua iniciativa o estímulo ao hábito da prática do esporte. Pessoas
antes sedentárias, passaram a ter mais disposição. Saem de casa animados. São os primeiros a chegar e os últimos a sair
nos momentos de confraternização. “Muita gente saiu da depressão porque encontrou novo objetivo de vida”, sentencia.
Um dos casos mais comentados no clube é do aposentado Raimundo Lira, 69 anos. Em Roraima desde os 22 anos, casado, pai de cinco filhos e avô de cinco netos, depois de uma vida como produtor rural e empresário na cidade, ele entrou em depressão no começo da Pandemia.
- Eu nunca pratiquei esportes, conta Raimundo. Quando fiquei depressivo, na Pandemia, passei a tomar remédios. Só consegui me recuperar depois de começar a corrida de rua.
Hoje, a vida de Raimundo mudou muito. Junto com a esposa, Elizete, participa de corridas de distâncias variadas. Começou com um quilômetro. Mês passado correu 25km.
- Sou outra pessoa, diz ele. Já participei de duas corridas no mesmo dia, de 7km cada uma. Até agora, conquistei 24 troféus e 76 medalhas. Abandonei os remédios seis meses depois de começar a correr. Virei corredor, finaliza Raimundo Lira.
Correr no lavrado é desafio conhecido pelo grupo
Odete Santos (à direita) é deficiente visual. Ao lado de sua guia, Gerliene, corre com prazer e alegria
Entusiasmo dos corredores
Raimundo Lira tornou-se exemplo de atleta
Fim de corrida. Que venha um novo desafio.