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Sexta, 05 Dezembro 2025 13:20

O arquiteto de likes

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Há uma nova espécie de arquiteto que surgiu nos últimos anos: o arquiteto de Instagram. Ele não carrega uma trena no bolso da calça, nem uma lapiseira no bolso da camisa. Carrega um celular, sempre pronto para registrar o ângulo certo do próprio ego. Seu projeto não começa no papel, começa no filtro.

É um tipo curioso: fala em “conceito”, “estética”, “minimalismo”, mas o que realmente busca é o olhar digital de aprovação, aquele coraçãozinho vermelho que substituiu o coração humano. Seus clientes? Coadjuvantes. Meros figurantes em um cenário de vaidades.

Esses arquitetos têm uma estranha obsessão; não com o conforto de quem vai morar ou trabalhar ali, mas com o reflexo do ambiente na lente do smartphone. O sofá é escolhido não pelo conforto, mas pelo contraste com o tapete. A iluminação não é pensada para o uso, mas para o “mood” da foto. O negócio do cliente que precisa vender, atender, ou produzir, que se vire para caber na estética do feed.

E há ainda um pecado mais sutil, quase indecente: a reserva técnica. O santo nome da comissão travestido de “parceria comercial”. Cada porcelanato indicado é uma indulgência, cada torneira cara, um dízimo pago ao altar das lojas de acabamento. E o cliente, coitado, paga a conta e ainda sorri, achando que está levando o melhor, quando, na verdade, está financiando o marketing alheio.

Mas o tempo é um juiz severo. As casas feitas para o Instagram desbotam rápido. O layout engessa o viver. E quando o arquiteto já seguiu adiante, atrás de novos likes, o cliente fica prisioneiro de um cenário bonito e construtivamente impraticável.

A verdadeira arquitetura não se baseia em modismo e sim no viver e no sentir. Ela está nos silêncios, nos ventos, no modo como a luz entra de manhã. Um bom projeto é aquele que melhora o humor de quem mora, o faturamento de quem vende, o descanso de quem chega cansado.

O arquiteto que entende isso e que enxerga o cliente antes de si é raro como um traço limpo na folha em branco. Porque o que o cliente quer construir, no fundo, é muito mais que um espaço: é uma parte de sua vida. E nenhum “like” paga o preço de esquecer disso.

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Eduardo Marques

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