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Terça, 04 Novembro 2025 03:10

O arquiteto construtor

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Dizem que o arquiteto é um sonhador, desses que vivem de traços e utopias. Besteira. O arquiteto que pisa no canteiro de obras sabe que a realidade tem cheiro de cimento. Ele é, antes de tudo, um equilibrista sobre o abismo entre o ideal e o possível.

No escritório, ele desenha belas casas, no clima do ar-condicionado e café quente por perto. No canteiro, ele fica torrado pelo sol e aprende que o mundo da obra é um perigoso campo minado. Sente na pele o peso do concreto e o peso, ainda maior, das planilhas. E ali, entre a nota fiscal e o sonho, ele se descobre administrador, um contador de esperanças com prancheta e trena.

Há sempre um dilema que o corrói: o olho quer o nobre, o bolso permite o simples. O arquiteto sabe que um piso de mármore italiano faz a alma suspirar, mas o caixa grita: “porcelanato na promoção, meu filho!”. E ele obedece, com aquele misto de resignação e ironia que só os que amam demais o impossível conseguem ter.

Os clientes aparecem com sorrisos largos e frases de guerra: “queremos o melhor, mas sem exageros”. Traduzindo: sonham com o Porsche e pagam pelo Uno. O arquiteto ri por dentro, aquele riso amargo de quem já viu muito. Porque no fundo, ele entende, o cliente quer o milagre da multiplicação dos tijolos e luxo com preço de feira.

Mas nada, absolutamente nada, se compara à alegria de ver nascer aquilo que um dia só existiu no papel. Ver o traço se transformar em parede, o esboço virar luz e sombra, o render sair do virtual e ganhar forma. O arquiteto que administra a própria obra vive um tipo raro de prazer: o de brincar de Deus, criando, administrando e finalizando a obra.

No fim do dia, ele tira as botas cobertas de barro, olha o esqueleto da casa crescendo diante do entardecer e pensa: “valeu a pena cada minuto investido, cada cliente impaciente, cada confusão entre as equipes de execução, cada madrugada revisando orçamento”. Porque ali está seu filho de concreto, nascendo para o mundo.

E, se o arquiteto é um artista, é também um mártir da beleza prática. Um homem que constrói o sonho dos outros com as ferramentas que o mundo lhe dá e ainda sorri, porque sabe que, entre o projeto e a execução da obra, mora toda a sua verdade.

Lido 84 vezes Última modificação em Terça, 04 Novembro 2025 03:15
Eduardo Marques

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