Não é exagero dizer que o papel aceita tudo. Já o concreto… O concreto cobra. Cobra caro. E com juros emocionais.
Fui contratado para elaborar dois projetos muito parecidos. Dois andares, arquitetura moderna, interiores generosos, fachada imponente, uma escada que fazia pose para self e suítes com varanda. Eram casas irmãs, não gêmeas. Tinham o mesmo espírito, a mesma ambição. Mas tomaram caminhos diferentes.
Na primeira, os clientes eram decididos. Gente que queria viver bem, mas não fazer da obra um palco de loucura. Era uma dança educada entre sonho e viabilidade. Resolveram tudo no projeto. Cada tomada, cada pilar, até o mobiliário. Não mudaram uma vírgula depois do "aprovado". E quando a obra começou, era como assistir a uma orquestra afinada. O orçamento foi seguido com disciplina suíça. O cronograma, pontual como missa de domingo. Quando entreguei a chave, havia algo de sagrado no gesto. A casa estava pronta e a vida deles também.
Já a segunda… Ah, essa foi uma novela mexicana com roteiro de tragédia grega. O casal era do tipo "intuitivo" e aprovou o projeto com entusiasmo, mas, no fundo, só estavam brincando de arquitetar.
A cada semana, um novo delírio: "E se colocarmos um espelho d’água aqui?" "E se invertermos a suíte com o escritório?" "E se fizermos um jardim de inverno no meio da cozinha?"
O projeto virou sugestão. A planilha, uma ficção. A obra virou um organismo instável, mutante, uma criatura que se transformava diante dos meus olhos. E como todo mutante, ela precisava de mais: mais tempo, mais dinheiro, mais tolerância.
Ambas ficaram lindas, mas uma delas, custou o dobro de dinheiro, levou o dobro de tempo. E consumiu o triplo da minha paciência.
Arquitetura, meu caro, é decisão. O maior luxo de uma obra não está nos acabamentos nem nos metros quadrados: está na sabedoria de seguir o que foi pensado antes do tijolo.