By Aroldo Pinheiro on Sexta, 22 Junho 2018
Category: Crônica do Aroldo

Saudade de quem não conheço

Não gosto de conversar com estranhos. Quando viajo, levo comigo algumas revistinhas de palavras cruzadas e, para evitar papos chatos, me entrego aos quebra-cabeças.

No saguão do aeroporto de Brasília, esperando chamada para embarque, eu estava atracado com minha "Recreativa". "Cidade paulista, 15 letras". "Itaquaquecetuba? É, pode ser". Levantei a vista e meus olhos se encontraram com os olhos de um cara sentado à minha frente. Ele acenou. Eu respondi ao cumprimento. Abaixei a vista. "Conheço esse cara de onde?" Rei do furo, péssimo fisionomista, decidi ignorá-lo. Senti que a peça continuava me olhando. "Não vou levantar a vista. Acho que não conheço esse sujeito".

Esqueci-me de Itaquequecetuba. Já estava incomodado com o fato de não poder levantar a vista. Sentia-me preso. Preso, mas não queria dar chance ao mico.

Sede. O cara levantou-se e encaminhou-se ao banheiro. Aproveitei para enfrentar a fila da lanchonete em busca de água. Uma mão toca meu ombro. Olho. "Socorro, é ele!".

- Tudo bem? Mundo pequeno, né? – Começou o intruso.

- É isso aí, cara. – Respondi laconicamente. Minha vontade era voltar para minhas palavras cruzadas.

- Tem uns vinte anos que a gente não se vê, né? A última vez foi aqui mesmo neste aeroporto.

"Pronto. Quem é esse cara?" A mente começou a dar voltas pelo passado. Nada. Ele acrescentou:

- Encontrei-me com Narinha na semana passada. Ela ainda é apaixonada por você. Não sei porque não deu certo. Todo mundo achava que vocês iam se casar...

- Como ela está? – Arrisquei, mesmo sem me ter caído a ficha. Eu continuava sem saber quem era aquele sujeito. Também não sabia quem era essa menina apaixonada por mim

De repente, chamada para embarque no portão 9. Ele diz que é o voo dele, me dá um abraço e, antes de cruzar porta, grita:

- Tou no Face. Procura... A turma toda tá lá.

- Ok, cara, boa viagem!

Não consegui mais me concentrar em meu quebra-cabeça. Não sei mesmo quem era aquele sujeito, mas embarquei com uma vontade danada de conhecer a Narinha.